top of page

Fim e Começo

Wisława Szymborska

Depois de cada guerra
alguém tem que fazer a faxina.
Colocar uma certa ordem
que afinal não se faz sozinha.

Alguém tem que jogar o entulho
para o lado da estrada
para que possam passar
os carros carregando os corpos.

Alguém tem que se atolar
no lodo e nas cinzas
em molas de sofás
em cacos de vidro
e em trapos ensanguentados.

Alguém tem que arrastar a viga
para apoiar a parede,
pôr a porta nos caixilhos,
envidraçar a janela.

A cena não rende foto

e leva anos.

E todas as câmeras já debandaram

para outra guerra.

 

As pontes têm que ser refeitas,

e também as estações.

De tanto arregaçá-las,

as mangas ficarão em farrapos.

 

Alguém de vassoura na mão

ainda recorda como foi.

Alguém escuta

meneando a cabeça que se safou.

Mas ao seu redor

já começam a rondar

os que acham tudo muito chato.

Às vezes alguém desenterra

de sob um arbusto

velhos argumentos enferrujados

e os arrasta para o lixão.

 

Os que sabiam

o que aqui se passou

devem dar lugar àqueles

que pouco sabem.

Ou menos que pouco.

E por fim nada mais que nada.

 

Na relva que cobriu

as causas e os efeitos

alguém deve se deitar

com um capim entre os dentes

e namorar as nuvens.

Wisława Szymborska (1923-2012) foi uma escritora polaca, de Cracóvia.

bottom of page